segunda-feira, 15 de junho de 2020

NUCCIO ORDINE: No âmbito pessoal, que erros cometeu?

GEORGE STEINER: Essencialmente, deveria ter tido a coragem de me provar na literatura “criativa”. Quando jovem, escrevi histórias e também versos. Mas não quis assumir o risco transcendente de experimentar algo novo nessa área, que me apaixona. Crítico, leitor, erudito, professor, são profissões que amo profundamente e que vale a pena exercer bem. Mas é completamente diferente da grande aventura da “criação”, da poesia, de produzir novas formas. E, provavelmente, é melhor fracassar na tentativa de criar do que ter algum sucesso no papel de “parasita”, como gosto de definir o crítico que vive de costas para a literatura. É claro que os críticos (já enfatizei isso várias vezes) também têm uma função importante; tentei lançar, às vezes com sucesso, alguns trabalhos e defendi os autores que acreditava que mereciam meu apoio. Mas não é a mesma coisa. A distância entre aqueles que criam literatura e aqueles que a comentam é enorme; uma distância ontológica (para usar uma palavra pomposa), uma distância do ser. Meus colegas universitários nunca me perdoaram que eu apoiasse essas teses; muitos barões e certa crítica estritamente acadêmica não aceitaram que eu zombasse de sua presunção de serem, às vezes, mais importantes do que os autores dos quais estavam falando...


NUCCIO ORDINE: Você recebeu algum conselho que mudou sua vida?

GEORGE STEINER: É claro. Especialmente aqueles que minha mãe me deu com todo o seu amor. Devo a ela ter me incentivado a viver de maneira frutífera com minha deficiência. Quando era criança, para me fazer reagir em momentos de desespero, ela me dizia que a “dificuldade” era um “dom” divino. Além de me livrar do serviço militar, meu defeito me deu a oportunidade de aprender a melhorar, de tentar entender que, sem esforço, não se consegue nada na vida. Lembrei-me disso em diferentes circunstâncias. Uma das conquistas mais bonitas da minha existência foi quando consegui amarrar meus sapatos pela primeira vez com a mão paralisada.


Nuccio Ordine. “A entrevista póstuma de George Steiner: ‘Faltou-me coragem para criar’”, El País, 6 fev. 2020.
https://brasil.elpais.com/cultura/2020-02-07/a-entrevista-postuma-de-george-steiner-faltou-me-coragem-para-criar.html

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